Algumas vezes, desde que começara a viver livremente, Abel perguntara a si mesmo: "Para quê?" A resposta era sempre igual e também a mais cómoda: "Para nada." E se o pensamento insistia: "Não é nada. Assim não vale a pena", acrescentava: "Deixo-me ir. Isto há de ir dar a algum lado."
Bem via que "isto", a sua vida, não ia dar a parte alguma, que procedia como os avarentos que amontoam o ouro só para terem o prazer de o contemplar. No seu caso não se tratava de ouro, mas de experiência, único proveito da sua vida. Contudo, a experiências, não sendo aplicada, é como o ouro imobilizado: não produz, não rende, é inútil. E de nada vale a um homem acumular experiência como se colecionasse selos.
As suas poucas e mal assimiladas leituras de filosofia, ao acaso dos compêndios escolares e das brochuras desenterradas da poeira dos alfarrabistas da Calçada do Combro, permitiam-lhe pensar e dizer que desejava conhecer o sentido oculto da vida. Mas nos dias de desencantamento da sua existência, já lhe acontecera reconhecer que semelhante desejo era uma utopia e que as experiências multiplicadas apenas serviam para tornar mais denso o véu que pretendia afastar. A falta de sentido concreto da sua vida forçava-o, porém, a firmar-se naquele desejo que já deixara de o ser, para se transformar numa razão de viver tão boa ou tão má como qualquer outra.
terça-feira, 25 de março de 2014
domingo, 23 de março de 2014
Posso ficar aqui,
se entenderes que deva.
Posso ficar aqui,
com todas as portas e janelas cerradas
que me engaiolam.
Sucumbir ao desespero
de todos estes olhares tristes,
tão tristes, tão apagados,
que me falam sem que os oiça.
Chegam de expressão lastimável
e caminham lentamente para o abismo,
sem a consciência de que tudo isto
e o mais que possam pensar em paralelo
se reduz à ilusão que têm vindo a construir.
Entre esperas incontornáveis,
conversas que apaziguam o medo,
vozes audíveis mas que não têm a quem pertencer
se as tento encontrar,
a porta entre a suposição e a verdade
admite passagem aos moribundos.
O que se passa para além desta porta
é uma incógnita,
apenas vejo que saem mais depressa do que entram...
Por vezes dou por mim a pensar
se algum dia,
algum deles,
sairá, de facto...
Sinto uma aflição aterradora por esta gente toda,
e talvez por mim,
que aqui estou também.
se entenderes que deva.
Posso ficar aqui,
com todas as portas e janelas cerradas
que me engaiolam.
Sucumbir ao desespero
de todos estes olhares tristes,
tão tristes, tão apagados,
que me falam sem que os oiça.
Chegam de expressão lastimável
e caminham lentamente para o abismo,
sem a consciência de que tudo isto
e o mais que possam pensar em paralelo
se reduz à ilusão que têm vindo a construir.
Entre esperas incontornáveis,
conversas que apaziguam o medo,
vozes audíveis mas que não têm a quem pertencer
se as tento encontrar,
a porta entre a suposição e a verdade
admite passagem aos moribundos.
O que se passa para além desta porta
é uma incógnita,
apenas vejo que saem mais depressa do que entram...
Por vezes dou por mim a pensar
se algum dia,
algum deles,
sairá, de facto...
Sinto uma aflição aterradora por esta gente toda,
e talvez por mim,
que aqui estou também.
quarta-feira, 19 de março de 2014
sexta-feira, 14 de março de 2014
quinta-feira, 13 de março de 2014
domingo, 9 de março de 2014
sexta-feira, 7 de março de 2014
Inês Pedrosa- O êxodo
Partir depressa. A frase que mais ouço aos adolescentes próximos. Repito-lhes que não é assim, que a felicidade é possível nesta terra. As minhas palavras estão todas erradas: a felicidade não lhes interessa, a repetição não os demove, os nãos dos mais velhos cheiram ao ranço do paternalismo. Move-os o sonho de iluminar as coisas. E todos os dias são fustigados por exortações à mediocridade bem organizada.
Estive com alunos de uma escola secundária de Vila do Conde e pedi-lhes que não desistissem da língua portuguesa. Atingiram o décimo ano de escolaridade e não lhes ocorre um só escritor português de que gostem. Ou de que, pelo menos, não gostem. Desconhecem.
«Não gosto d'Os Maias!» aventurou-se um, lá de trás, protegido pelas cabeças prontamente concordantes dos outros. Disse-lhes que saltassem as páginas de introdução e mergulhassem na história. Prometi-lhes que, se o fizessem, iriam gostar. Olharam-me com pena. O mesmo olhar que me devolvem os adolescentes mais próximos, aquele olhar que diz: «és tão ingénua, tu; habituaste-te, coitada; acreditas no futuro deste país, na salvação através da palavra e no amor eterno. O destino te proteja, que nós não vamos ficar aqui, à espera de contar côdeas quando formos velhinhos, mancando a caminho das repartições de Finanças com papéis na mão a perguntar, se faz favor, se não houve um enganozinho».
(...)
Disponível em http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=100604&opiniao=Opini%E3o
Estive com alunos de uma escola secundária de Vila do Conde e pedi-lhes que não desistissem da língua portuguesa. Atingiram o décimo ano de escolaridade e não lhes ocorre um só escritor português de que gostem. Ou de que, pelo menos, não gostem. Desconhecem.
«Não gosto d'Os Maias!» aventurou-se um, lá de trás, protegido pelas cabeças prontamente concordantes dos outros. Disse-lhes que saltassem as páginas de introdução e mergulhassem na história. Prometi-lhes que, se o fizessem, iriam gostar. Olharam-me com pena. O mesmo olhar que me devolvem os adolescentes mais próximos, aquele olhar que diz: «és tão ingénua, tu; habituaste-te, coitada; acreditas no futuro deste país, na salvação através da palavra e no amor eterno. O destino te proteja, que nós não vamos ficar aqui, à espera de contar côdeas quando formos velhinhos, mancando a caminho das repartições de Finanças com papéis na mão a perguntar, se faz favor, se não houve um enganozinho».
(...)
Disponível em http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=100604&opiniao=Opini%E3o
Assinar:
Postagens (Atom)