terça-feira, 25 de março de 2014

José Saramago- Excerto da obra "Claraboia"

Algumas vezes, desde que começara a viver livremente, Abel perguntara a si mesmo: "Para quê?" A resposta era sempre igual e também a mais cómoda: "Para nada." E se o pensamento insistia: "Não é nada. Assim não vale a pena", acrescentava: "Deixo-me ir. Isto há de ir dar a algum lado."
Bem via que "isto", a sua vida, não ia dar a parte alguma, que procedia como os avarentos que amontoam o ouro só para terem o prazer de o contemplar. No seu caso não se tratava de ouro, mas de experiência, único proveito da sua vida. Contudo, a experiências, não sendo aplicada, é como o ouro imobilizado: não produz, não rende, é inútil. E de nada vale a um homem acumular experiência como se colecionasse selos.
As suas poucas e mal assimiladas leituras de filosofia, ao acaso dos compêndios escolares e das brochuras desenterradas da poeira dos alfarrabistas da Calçada do Combro, permitiam-lhe pensar e dizer que desejava conhecer o sentido oculto da vida. Mas nos dias de desencantamento da sua existência, já lhe acontecera reconhecer que semelhante desejo era uma utopia e que as experiências multiplicadas apenas serviam para tornar mais denso o véu que pretendia afastar. A falta de sentido concreto da sua vida forçava-o, porém, a firmar-se naquele desejo que já deixara de o ser, para se transformar numa razão de viver tão boa ou tão má como qualquer outra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário