sábado, 5 de abril de 2014

Seja o futuro emenda do passado, e o que há-de ser, satisfação do que foi. (Padre António Vieira)

Pergunta-me insistentemente:
- Como é que tudo aconteceu?
- As coisas acontecem, sabe? É como num livro. Neste caso, o livro da vida. Inicia-se com letra maiúscula- ou pelo menos deveria ser de tal modo-, as palavras fluem, vigorosas e coerentes. Estas, criam em quem as lê toda uma sensibilidade para com a narrativa. Por vezes, sinto mais do que o que sei exprimir e isso nota-se aquando da transposição para o papel.
- E o que tem isso a ver para o caso?
- Tem tudo. E ao mesmo tempo não tem nada.
Não sei se ela iria conseguir perceber, mas também sempre fui muito vaga nas nossas conversas. Creio que, de facto, nem eu conseguiria perceber. Por isso esperava que ela caminhasse de encontro ao busílis da questão. Olhou-me com expressão aborrecida e disse:
- Lá estás tu com as tuas contradições... Já reparaste que desde que te sentaste nessa cadeira não disseste nada de concreto? Assim não te consigo ajudar, não consigo chegar até ti.
- Nada mais tenho a proferir. São estas as palavras que tenho para lhe oferecer.
- Ah, estou a ver que és pessoa de uma extrema generosidade!
Surge então aquele sorriso a tender para a ironia, desvanecendo-se por entre a corrente de ar que se fazia sentir naquele espaço diminuto. Os seus braços cruzaram. Fez-se sentir o silêncio que previa algumas palavras minhas, contudo, já tinha anunciado o desfecho do discurso.
Ciente da agitação mental que me estava a provocar aquela conversa tão cuidadosamente conduzida, estudada até ao mais ínfimo pormenor, ela desfez o cruzar dos braços e debruçando-se sobre o teclado daquele pachorrento computador redigiu qualquer coisa que não vi nem nunca verei.

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